Paulo Cruz contra Djonga e a realidade contra Paulo Cruz: a arrogância intelectual de um Preto tipo D
Recentemente fui convidado para participar do RedCast, um podcast organizado por influencers de São Paulo. Seria um embate com o professor de filosofia e militante do MBL, Paulo Cruz
Recentemente fui convidado para participar do RedCast, um podcast organizado por influencers de São Paulo. Seria um embate com o professor de filosofia e militante do MBL, Paulo Cruz. Um preto comunista e um preto de direita, como ele mesmo assume ser, um preto tipo “D”, diria eu. Mas, dias antes do “embate” fomos informados pelos organizadores do RedCast que Paulo Cruz havia desistido. Motivo: minhas redes sociais têm menos seguidores do que as dele. Arrogância é mato nesta justificativa. O embate ocorreu com Geisiane Freitas, uma professora e doutora negra, também de direita.
Dias depois, leio um artigo publicado pelo mesmo Paulo Cruz com o título “A arrogância elitista dos rappers brasileiros”. Estranho, não? No referido artigo, Paulo Cruz não se apresenta como um ideólogo de direita, mas um intelectual amante do rap “sem ideologia”, acima do bem e do mal, como se as ideologias caíssem do céu na cabeça das pessoas; em que somente aquelas por ele chamadas, genericamente, de “esquerda” são produtos de artimanhas. Até parece que ser liberal é uma condição inata, enquanto ser de “esquerda” decorre da ideologização das instituições e, agora, do movimento cultural, como o Hip Hop. Assim, Paulo Cruz se apresenta como o suprassumo da imparcialidade ideológica.
A ideia central do “desideologizado” Paulo Cruz é que o Hip Hop em seu inicio não tinha “compromisso político-partidário” até passar a ser educado “por militantes de esquerda, como Milton Sales (o ideólogo do Racionais) e as famosas reuniões no Projeto Rappers, do Geledés – Instituto da Mulher Negra, de Sueli Carneiro (o artigo está aqui).
Ele faz esse malabarismo politico para rebater uma postagem que Djonga fez criticando rappers que apoiam a direita. Isso foi suficiente para o caro professor chamar Djonga de arrogante e estender essa caracterização para todos os rappers que não são do seu campo politico de direita. Direita esta, diga-se de passagem, que tanto perseguiu o Movimento Hip Hop.
O problema central é que a maioria dos rappers ainda defendem os direitos básicos para os explorados e oprimidos, e isso virou motivo para a direita e a ultradireita tachar qualquer um que pense assim como comunistas. No Brasil essa posição se agrava em razão da nossa burguesia ter se consolidada enquanto classe social dominante assentada na escravidão e no tráfico de africanos escravizados, e a maioria dos seus intelectuais seguem essa mesma pegada. Assim, Djonga e a maioria dos rappers brasileiros tornaram-se arrogantes, elitistas e comunistas!
Paulo Cruz rebate a posição acertada de Djonga em defender o povo Palestino como se ele, Paulo Cruz, estivesse segurando a balança da justiça com os olhos vendados e empunhando a espada das justas decisões. Porém, não diz o que pensa ao criticar o pensamento do opositor. Por acaso, Paulo Cruz, você é defensor do massacre que o Estado de Israel está promovendo em Gaza, que já contabiliza mais de 50 mil mortos?
É anacronismo infantil afirmar que o rap brasileiro girou em direção ao comunismo e à “ruptura revolucionária” como produto da expansão da internet e do apoio que Mano Brown deu ao PT. Lamento dizer, mas nesse debate Paulo Cruz está atrasado em quase três décadas. Na época que ele diz que o Hip Hop não era político-partidário, coincide justamente com o período em que o PT era um partido que tinha uma linha classista mais definida, era a época em que o PT não se misturava com a burguesia, e olha que faz tempo. O momento em que ele diz que o rap virou político-partidário de esquerda e comunista, ocorre, desgraçadamente, no período em que o PT já estava adaptado à ordem burguesa, não tinha mais nada de classista, imagine de comunista.
Entre o final da década de 1980 e toda a década de 1990, o rap brasileiro não só era, majoritariamente, de esquerda, como o mais politizado do planeta. Nenhum partido, nem o que eu milito hoje, o PSTU, nem o PT, ousariam dizer o que deveríamos tratar em nossas canções. Digo mais: do ponto de vista racial, o rap brasileiro estava mais à esquerda do que a maioria das organizações do Movimento Negro brasileiro e mesmo da esquerda reformista como o próprio PT. Para constatar isso, basta ouvir “Júri Racional” do álbum “Raio X do Brasil” do Racionais Mcs, lançado em 1994. Tudo indica ser uma crítica pesadíssima ao cordialismo racial de muitos militantes negros da época. Diz um trecho da letra:
“Ovelha branca da raça, traidor
Vendeu a alma ao inimigo, renegou sua cor
Mas nosso júri é racional, não falha
Por que Não somos fãs de canalha”
Na música “H. Aço” do DMN com participação de Edi Rock, este último dispara sem meias palavras:
“Controla o povo pelo dinheiro Cadê o dinheiro?
Fernando Henrique fez o Brasil virar um puteiro
No mundo inteiro é a mesma patifaria
Não é fácil ser Homem de Aço no dia a dia”
Esse rap é de 1998, quando o PT não tinha mais nenhum interesse em derrubar FHC nas ruas, e sim nas eleições com amplo apoio da burguesia brasileira, tal como ocorreu em 2002.
Em 1996, Gog lançou o álbum intitulado “Prepare-se” que tinha, no encarte, Lula, FHC e Collor, e na contracapa, pessoas pobres sendo reprimidas e humilhadas. Talvez tenha sido sectário da parte do Gog colocar essas três personalidades como “farinha do mesmo saco”, já que o PT ainda não havia governado o país, porém era governo no Distrito Federal, onde Gog morava.
Ou ainda quem não se lembra do Facão Central em seu rap “A Minha Voz Tá no Ar” afirmando:
“Não aceno bandeira, não colo adesivo, não tenho partido, odeio político
A única campanha que eu faço é pelo ensino
E pro meu povo se manter vivo”
O rap brasileiro era politizado, caro Paulo Cruz, porque se desenvolveu em uma realidade que combinava dois fatores: a luta contra a ditadura militar e, logo em seguida, a resistência aos ataques neoliberais e repressivos contra o conjunto da classe trabalhadora, aos povos do campo e aos que viviam nos bolsões de miséria das periferias. O rap rompeu a barreira entre os narradores e os narrados, porque a maioria dos grupos (sobre)vivia neste inferno periférico. Não considerar isso é estudar os acontecimentos de maneira idealista e a-histórica.
A década de 1990, que você tanto elogia, pois foi governada pelo PSDB, foi a década do massacres da Candelária , de Vigário Geral, do Carandiru, de Eldorados dos Carajás, de Corumbiara, da formação de grupos de extermínios, das privatizações das empresas públicas e da Marcha do tricentenário de Zumbi dos Palmares. Foi esse ambiente que produziu o caldo político e cultural que fez do nosso Hip Hop o mais politizado do planeta e neste ambiente estavam juntos, sim, os partidos de esquerda, os movimentos sociais, e os movimentos culturais como o Hip Hop. A direita, que você reivindica, estava do outro lado da trincheira oprimido, reprimindo e humilhando. E agora vem pagar de imparcial e apolítica?
Não por acaso, os principais grupos de rap da época foram processados e tiveram suas canções e clipes censurados. Se você – que se diz dessa geração Hiphopiana – não lembra disso, a burguesia brasileira e seus governos, sim, sabiam que este país estava prestes a explodir e que nesse processo o Hip Hop era pura nitroglicerina.
Repito, não foi uma imposição da esquerda, nem uma sedução de gente esperta junto a artistas ingênuos e bem intencionados. Eu falo isso, porque eu sou produto dessa geração e fundador de uma das organizações mais antigas do Hip Hop brasileiro, o Movimento Hip Hop Organizado do Maranhão, Quilombo Urbano. Entre nós não havia ingenuidade, mas sim sede por conhecimento, ódio de classe e de raça, e esse sentimento não foi o PT que injetou em nós, o PT fez o oposto, sobretudo depois que assumiu o governo deste país.
Durante os governos petistas, sim, é que o Hip Hop brasileiro ficou muito mais controlado e muito menos critico. Foi o PT que comandou a ocupação militar no Haiti, defendida por vocês, aprovou a Lei das Drogas, que vocês defendem, a privatização dos presídios, em unidade com vocês, e, muito recentemente, o endurecimento da Lei Penal, postura reacionária bastante elogiada pelo deputado Kim Kataguiri, do seu MBL. O PT de hoje, é o oposto do que você diz!
Porém, salta aos olhos você não citar uma linha sequer do seu artigo para falar dos grupos de rap que hoje são defensores da direita e da ultradireita. Quem os seduziu, Paulo Cruz? Ou ser de direita e de ultradireita está desde sempre no DNA desses rappers criticados por Djonga?
Não acho que Djonga seja um comunista só por votar no PT, porque o PT não é comunista, mas na política concreta, naquela do mundo real, onde o filho chora e a mãe não vê, você está mais próximo do PT do que possa estar Djonga e a maioria dos rappers brasileiros que você chama de arrogantes. Quem sabe olhando um pouquinho mais para a realidade e com um pouquinho menos de arrogância, você venha a perceber isso?