BB: Carta de denúncia e repúdio ao descaso do governo Lula com reparação por comércio de escravos
Carta de denúncia e repúdio do Quilombo Raça e Classe ao descaso do governo Lula, através dos ministérios da Igualdade Racial e Direitos Humanos, e da direção do Banco do Brasil com audiência pública sobre política de reparação da escravidão
No último dia 22 de outubro ocorreu a audiência pública “Ações de reparação pelo Banco do Brasil e construção do pacto pela igualdade racial” chamada pelo Ministério Público Federal – Procuradoria da República do Rio de Janeiro com o objetivo de discutir, junto à sociedade civil, especialmente ao Movimento Negro, e representantes do Banco do Brasil, do Ministério da Igualdade Racial – MIR e Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania – MDHC, o Inquérito Civil Público que tramita na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão/RJ, com o seguinte objeto: “Tráfico de pessoas negras escravizadas e o Banco do Brasil – direito à reparação”.
Esse inquérito foi instaurado após representação de um conjunto de historiadores e historiadoras que identificaram, com fartas provas, a responsabilidade do Banco do Brasil no envolvimento com a escravização ilegal de pessoas no século XIX. As lideranças das grandes entidades do movimento negro que davam sinais de ter abandonado a reivindicação pela Política de Reparação, em seu adesismo ao governo, e do redirecionamento das reivindicações para a Política de ações afirmativas e “promoção da igualdade racial” dos governos do PT, pareciam ter ganhado força para recuperar pautas fundamentais para a população negra.
Isto porque, como afirmamos: “as conquistas parciais, no interior das políticas de ações afirmativas e a promoção da igualdade racial devem estar plenamente associadas às medidas de cunho mais radical de mudança estrutural das condições de vida, trabalho e moradia da classe trabalhadora negra, isso é Política de Reparação, para além das políticas compensatórias e assistencialistas”. Parecia que junto com o Ministério Público Federal, as entidades do movimento negro conseguiriam finalmente pressionar o governo e o Banco do Brasil para implantarem medias concretas de Reparação. Porém, para a surpresa geral, na audiência, houve um esvaziamento das lideranças das grandes entidades do movimento negro que não compareceram.
Já os representantes do BB foram para a audiência num total desrespeito frente às entidades do movimento negro, pois simplesmente não apresentaram nenhuma ação de Política de Reparação. Disseram que estavam anotando as reivindicações dos presentes; que já faziam muitas medidas de reparação; remeteram para dezembro possíveis propostas e, disseram que grande parte das propostas protocolados no MPF, pelos movimentos negros, desde 2023, eram impraticáveis pelo Banco porque estavam fora de sua atuação, enquanto instituição financeira, inclusive por se tratar de uma sociedade de economia mista, ou seja, ferir os interesses dos acionistas privados.
Financiar e lucrar com um crime de lesa humanidade – a escravização de milhões de africanos(as) – não estava fora da atuação do Banco? O espólio desse crime favorece ou não os seus acionistas também? E, ao final, o representante do BB disse que “não somos criminosos e não será possível resolver isoladamente as implicações e necessidades”. Bom, basta lembrar que o BB pediu perdão pelos seus crimes aos escravizados em audiência anterior, que é algo provocativo e insuficiente por si só. Agora sobre a incapacidade estrutural e econômica do BB resolver isoladamente essa questão e ferir os interesses de seus acionistas, é a demonstração de sua decisão política em diminuir sua responsabilidade perante os fatos, pois parte fundamental de sua riqueza e daqueles que ela financiou, hoje inclusive devem figurar entre seus acionistas majoritários e representar parte das famílias, empresas e demais instituições do Estado envolvidos com esse crime contra a humanidade. Portanto, é exatamente a direção do Banco do Brasil e do governo Lula que precisam tomar definitivamente uma posição política consequente em favor da maioria dos explorados e oprimidos de nossa classe, particularmente da população quilombola do campo e da cidade, na Reparação Histórica da Escravidão de todos os atores beneficiados por esse crime.
Não custa lembrar que a presidente do BB, em audiência no dia 18 de novembro de 2023, não apenas reconheceu a participação do banco no crime de escravização de africanos e africanas, como pediu desculpas, perdão, e se comprometeu com medidas para combater a desigualdade étnico-racial no Brasil. Ou seja, o Banco do Brasil tem consciência histórica do crime que cometeu, mas foge e tergiversa nas medidas de Reparação desse crime.
Se a participação do BB foi vexatória, a do Ministério da Igualdade Racial – MIR e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania – MDHC foi vergonhosa, desastrosa e cúmplice do BB na total ausência de medidas concretas de Reparação. Vamos aos fatos. Quando os Procuradores do Ministério Público Federal cederam a palavra para a representante do MIR, ela se limitou a enumerar algumas medidas já tomadas pelo Ministério no que se refere a Políticas de Ações Afirmativas e assegurar que estava presente apenas para ouvir o que as entidades do movimento negro estavam pleiteando.
Ora, o que o movimento negro estava exigindo já havia sido protocolado no MPF desde dezembro de 2023 e fora apresentado a todas as partes em março de 2024. Foram mais de 500 propostas de 37 entidades nacionais e regionais e 34 pessoas. O MIR queria ouvir mais propostas? Demonstrou total desconhecimento do Inquérito e deixou evidente que não estava levando a sério as propostas apresentadas. O Procurador Federal que estava conduzindo a audiência – nitidamente incomodado – perguntou diretamente se o MIR teria algo a falar sobre o objeto da audiência, qual seja: Política de Reparação! A resposta foi: viemos para ouvir. Vergonhoso!
E o MDHC, foi pior ainda. Enviaram a “Coordenadora geral de erradicação do trabalho escravo” que não tinha especificamente para essa audiência, nada a ver com o objeto do Inquérito e não sabia nada do que se estava tratando, pois quem estava acompanhando o Inquérito pelo MDHC era a “Coordenação de Memória e Verdade da escravidão e do tráfico transatlântico de pessoas escravizadas” que não enviou nenhum representante, nem para dizer que não iriam dizer nada.
No dia da audiência, enquanto o BB, o MIR e o MDHC nada diziam sobre a Política de Reparação e enrolavam nas propostas estruturais necessárias para o nosso povo, dezenas de comunidades quilombolas do Maranhão, organizadas no Movimento Quilombola do Maranhão – MOQUIBOM ocupavam a sede do INCRA para exigir o prosseguimento dos processos de titulação territorial. São mais de 400 processos que estão há anos, algumas por décadas, no INCRA do MA parados, sem perspectiva nenhuma.
Nos últimos 36 anos, apenas 3 comunidades quilombolas foram tituladas e regularizadas pelo INCRA. Em reunião com representantes do órgão federal, as comunidades quilombolas ouviram que o governo não disponibilizava nem recursos e nem pessoal especializado para o prosseguimento e finalização dos processos. Isto comprovao descaso total do governo federal com a titulação de terras quilombolas no Estado, com a segunda maior concentração de comunidades quilombolas do Brasil e, ao mesmo tempo, que mais mata lideranças. O governo sempre é muito rápido para certificar as comunidades como quilombolas, mas extremamente lento para titular. E Política de Reparação não é certificar comunidades quilombolas, mas sim regularizar e titular suas terras, garantindo trabalho, habitação e saúde. Vejam, se o INCRA diz que não tem recursos financeiros, quem poderia garantir esses recursos, como Política de Reparação? O Banco do Brasil certamente.
Já protocolamos e apresentamos – como destaca o MFP do RJ – mais de 500 propostas e não é possível admitir que os Ministérios do governo Lula não possam pressionar, intervir e endossar essas propostas para que o Banco do Brasil finalmente apresente medidas concretas, como as que foram apresentados pelo Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe – filiado à Central Sindical e Popular (CSP – CONLUTAS) e que podem ser consultadas no seguinte link, no site da central.
Chega de enrolação, de pactos espúrios, de ausências e desconhecimentos. Queremos Política de Reparação Já para a população negra no Brasil.
Quilombo Raça e Classe