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Rumos e desafios do movimento pelo fim da escala 6 x 1

Renata França

19 de novembro de 2024
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Ativistas protestam pelo fim da escala 6×1 na avenida Paulista, em São Paulo (SP)

No último dia 15, ocorreram importantes protestos pelo fim da escala 6 por 1 em mais de 30 cidades e na maioria das capitais do país, reunindo dezenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores, em pleno feriado e em algumas cidades embaixo de chuva.

A força aglutinadora da pauta pelo fim da escala 6 por 1 expressa a revolta dos de baixo, daqueles que tem sido cada vez mais explorados, enquanto cresce o lucro dos bilionários. O Brasil tem dois terços da força de trabalho desempregada ou subempregada; temos uma das jornadas de trabalhos mais extensivas do mundo, ainda mais considerando as horas extras, bancos de horas e trabalho intermitente que extrapolam as 44 horas semanais; mesmo com os avanços tecnológicos em vários ramos da economia, a maioria dos empregos criados nos últimos anos são precarizados, com salários baixos, escalas abusivas e sem direitos.

Por isso, diferente dos que dizem que esta pauta é corporativa e passageira, a massificação do debate na sociedade, a força dos atos do dia 15 e as mais de 3 milhões de assinaturas na petição virtual demonstram que a consigna “Fim da escala 6 x 1” aponta para uma luta que vai muito além, pois escancara a situação da classe trabalhadora num país que tem descido ladeira abaixo na economia mundial.

Essa luta tão necessária por uma vida além do trabalho precisa de toda a unidade da classe trabalhadora nos locais de trabalho, estudo e moradia e dos movimentos sociais, sindicatos, organizações da classe trabalhadora, para que possamos ser vitoriosos.

Essa semana um passo muito importante foi conquistado. Com mais de 230 assinaturas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria de Erika Hilton (PSOL) e do movimento VAT (Vida Além do Trabalho) entrará em tramitação no Congresso. Essa vitória é fruto da pressão popular, que nas últimas semanas virou o voto de uma série de deputados.

Mas é só o começo. A PEC deverá passar também na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), presidida pela deputada de ultradireita Carol De Toni (PL), onde poderá ser alterada. Depois disso, haverá a votação na Câmara. Mesmo dentre os deputados que se posicionaram a favor da tramitação, há os que já apontaram emendas que podem esvaziar a pauta e desidratar nossa reivindicação. Depois de passar pelo mesmo procedimento no Senado, a PEC irá para sanção do presidente Lula.

Portanto, a entrada em pauta da PEC é um passo importante, mas inaugura novos desafios e impõe novas tarefas ao movimento. Inclusive porque, se depender do Congresso ela não será aprovada.

Desmentir os mitos criados pela ultradireita

Primeiramente, será necessário desconstruir os mitos forjados pela ultradireita, que entra no debate para disputar a consciência da nossa classe com mentiras. Dizem que inevitavelmente a economia do país iria quebrar, geraria mais desemprego, inflação e a falência dos pequenos negócios.

Sem dúvida, se dependesse desses deputados, trabalharíamos até a exaustão. Assim como se dependesse dos senhores de escravos, a escravidão nunca teria sido abolida, ou se dependesse dos donos das fábricas do século 18, as crianças ainda trabalhariam 12 horas diárias.

Mas a verdade é que nenhuma dessas consequência é inevitável! É possível construir propostas que apontem soluções para que os trabalhadores não arquem com os custos, como a redução da jornada sem redução de salários e direitos, uma política de controle dos preços dos produtos básicos de consumo e medidas de incentivo e proteção aos pequenos empresários.

Por isso, nossa missão é muito maior! Precisamos enfrentar os interesses dos grandes empresários para que o fim da escala 6 por 1 signifique mais empregos e condições mais dignas de trabalho. Afinal, até agora quem está pagando pelos 55 bilhões de custo da desoneração da folha de pagamentos das grandes empresas ou os R$ 400 bilhões do Plano Safra ao agronegócio são os cofres públicos, ou seja, os impostos arrancados da riqueza produzida pela classe trabalhadora. Devemos organizar o movimento de trabalhadores e as organizações para propor uma plataforma de medidas que faça os capitalistas pagarem a conta!

Nenhuma confiança na bancada da frente ampla e no governo Lula

Oportunamente, no dia dos atos, o ministro do Trabalho Luiz Marinho disse que “a escala 6 por 1 é cruel”, porém, ao mesmo tempo, pediu seriedade ao movimento e declarou em nota à imprensa que “aqui entra fortemente o papel da negociação, da convenção coletiva, do entendimento, porque fixação de horários deve ser feita em mesa de negociação”. Isto é, trabalhadores e patrões poderão “livremente” negociar a jornada mais favorável para ambos.

A nota soa hipócrita vinda de um ex-sindicalista que conhece bem as condições de negociação de cada trabalhador com o seu patrão, e sabe que na história deste país, cada hora reduzida na jornada de trabalho foi fruto de uma intensa luta para que a lei garantisse condições mínimas de negociação.

Não podemos separar a reivindicação do fim da escala 6 por 1 da reivindicação pela redução da jornada de trabalho. Pois sabemos que mesmo as 44 horas semanais reguladas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não são cumpridas pelos patrões, que impõem dobras de turno, banco de horas, extras, com muita pressão sobre os trabalhadores. Queremos a redução da jornada em lei!

Afinal, o que Lula tem a ver com a PEC no legislativo?

Logo após os protestos, o PSTU ficou entre os assuntos mais comentados na rede social X, antigo Twitter, por ter exigido uma posição de Lula. O presidente, além de ser quem dará a canetada final para que a PEC se torne lei, tem o poder de mover o movimento sindical, popular e os deputados da base da frente ampla.

Muitos trabalhadores nos questionam honestamente se este não seria o momento de travar, primeiramente, uma luta dentro do Congresso e só depois de transitado a PEC pressionar Lula. Nós não temos dúvidas de que a nossa vitória se define no terreno da luta de classes. Mas, se não exigimos que Lula se posicione ao nosso favor, permitiremos que lave as mãos ou faça como o ministro do Trabalho que, por vias tortas, disse que não deveria ser lei, e sim fruto de negociação em cada empresa.

Não podemos esperar nada de um presidente que no G20 discursa sobre a necessidade de “medidas para reduzir o custo de vida e promover jornadas de trabalho mais equilibradas”, enquanto apresenta um pacote de cortes na saúde, educação, funcionalismo público, aposentadorias e direitos trabalhistas como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro desemprego, que atinge os mais pobres.

Não podemos nos omitir! Lula tem muita responsabilidade sobre o patamar degradante de exploração da nossa classe. Passados dois anos do seu governo, Lula jamais reviu um ponto sequer da reforma Trabalhista aprovada por Temer 9MDB) que, dentre outras tantas maldades, legaliza a contratação intermitente, regime majoritariamente em escala 6 por 1. A famigerada Lei das Terceirizações foi aprovada no governo Dilma (PT). Além do que a maioria dos 3 milhões de empregos formais criados pelo governo do PT foram entre 1 e 2 salários mínimos e em escalas abusivas.

Uma luta que só poderá ser vitoriosa com independência de classe

O Congresso e Senado são comandados pelos interesses dos grandes empresários, como vimos nas votações do Arcabouço Fiscal e do Marco temporal. A PEC foi uma iniciativa fundamental, mas o campo de batalha onde se travará a guerra para que a escala 6 por 1 seja abolida e a jornada de trabalho seja reduzida será o campo da mobilização unificada, da luta da classe.

É necessário seguir nas ruas sem recuar, organizar mais protestos, dias nacionais de panfletagens nas bases, debates públicos, etc. É preciso unificar a luta com o movimento sindical e popular para levar às diferentes categoriais profissionais, às ocupações, escolas e periferias o debate combatendo as mentiras da ultradireita e as manobras da frente ampla e Lula.

Nesse sentido, não podemos deixar de debater abertamente os rumos do VAT. O movimento surgiu espontaneamente a partir da viralização de um vídeo de Rick Azevedo no Tiktok, um trabalhador de farmácia, que expressou toda sua revolta contra a superexploração. A partir daí tomou corpo através da petição virtual e a formação de grupos de whatapp. O PSTU sempre apoiou o VAT, respeitando a autonomia do movimento nas decisões e se somando às ações convocadas.

O VAT tem total legitimidade, como impulsionadores da luta, mas isoladamente o movimento ficará refém das negociações deste Congresso dos ricos, cuja composição já conhecemos bem. Precisamos, nas ruas, inverter a lógica dos bastidores do Congresso, derrotar os de cima pois senão a PEC será desidratada ou se limitará a pequenas mudanças, que inclusive poderão retroceder a médio e longo prazo.

Os atos do dia 15 se generalizaram pela ampla adesão dos trabalhadores, organizações de esquerda, do movimento sindical e popular. Contudo, em vários atos pelo país, organizações que já apoiam o movimento foram impedidas de se expressar. Em São Paulo, por exemplo, apenas dois parlamentares, Erika Hilton e Guilherme Boulos, ambos do PSOL, tiveram espaço no carro de som.

O discurso de que o protagonismo deve estar com os trabalhadores da escala 6 por 1 que não tem partido, de fato encobre um estreitamento da democracia e da possibilidade de condução do movimento com auto-determinação da base, ao mantê-lo nas mãos de algumas figuras públicas e parlamentares.

O movimento deve permitir a participação em igualdade de condições a todos que querem lutar pelos mesmos objetivos.  Esse discurso e atitude estreita o movimento, limita a democracia nas decisões e a construção da unidade necessária, já que os trabalhadores em escala 6 por 1 que mais se revoltam e querem lutar contra a exploração também tem vários partidos e posições políticas e não apenas um ou dois “lideres”. O próprio líder do movimento é filiado ao PSOL e tem todo direito de sê-lo.

O PSTU, que desde o início desse movimento tem se somado às ações em unidade, buscará construir pontes para unificar o movimento sindical e popular em torno dessa luta, fortalecer a democracia no movimento, forjar um programa que mobilize de forma permanente a classe trabalhadora e avance em uma série de medidas que façam os capitalistas pagarem pela redução da jornada. Só com independência de classe e democracia seremos vitoriosos nesta luta.

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