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85 anos da IV Internacional: Os pioneiros do trotskismo no Brasil

3 de setembro de 2023
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Mario Pedrosa fotografado pela polícia em 1935

Os primeiros passos do trotskismo no Brasil foram dados no final dos anos 1920, após intensas polêmicas no interior do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Fundado em 1922, pouco antes do começo do stalinismo na URSS, o PCB rapidamente sofre a intromissão de Moscou e adota suas principais teses definidas na Internacional Comunista, que já tinha virado um aparato da burocracia soviética. O movimento trotskista no Brasil se construiu a partir de sucessivas rupturas e cisões do PCB, resultados de polêmicas em torno da estratégia da revolução brasileira, da atuação do partido nos sindicatos e pelas constantes demonstrações de autoritarismo de sua direção, que punia e expulsava militantes que ousassem manifestar críticas.

Apesar de poucos, os primeiros trotskistas brasileiros tinham forte capacidade intelectual e uma importante inserção no movimento operário. O primeiro brasileiro que teria conhecido Trotsky foi Rodolpho Coutinho, dirigente do PCB, que debateu com o revolucionário russo seus estudos agrários em meados dos anos 20. Mas foi com Mario Pedrosa, jovem e talentoso dirigente comunista, que muitas das rupturas do PC avançaram para o trotskismo. Neste momento, houve um encontro de várias posições de Trotsky com o trabalho desenvolvido pelos grupos contra a linha oficial do PCB.

Em 1927, Mario Pedrosa desperta o interesse da direção do partido, que o envia para frequentar a Escola Leninista de Moscou, onde muitos dirigentes iam para “aprender o marxismo”. Pedrosa, entretanto, adoece enquanto passa pela Alemanha, onde entrará em contato com as críticas de Trotsky ao stalinismo e à situação da Internacional Comunista. Pedrosa entra em contato com militantes da Oposição de Esquerda e desiste de sua viagem para Moscou. Quando retorna ao Brasil, em 1929, ele forma o Grupo Comunista Lênin (GCL), que depois se chamaria Liga Comunista Internacionalista (LCI), que edita o jornal “Luta de Classes”.

Lívio Xavier

O grupo reunia, além de Pedrosa, os dirigentes comunistas Aristides Lobo e Livio Xavier, o operário gráfico João Costa Pimenta, o alfaiate Joaquim Barbosa (ambos importantes dirigentes sindicais da época), a escritora Rachel de Queiroz, entre outros. Pouco tempo depois, o GCL ganha a adesão de grupos socialistas que não se identificavam com a linha do PCB, como o de Fulvio Abramo, em São Paulo, outro importante personagem na história do trotskismo no Brasil.

As primeiras críticas

As primeiras críticas políticas à direção do PCB são publicadas no jornal “Luta de Classes”. Nelas, os trotskistas expõem seus objetivos e, atuando como fração do PCB, afirmam que seu objetivo não é combater o partido: “jamais combateremos o partido (…) combateremos sim, a direção do partido, única responsável pela orientação política errada, que vai aos poucos liquidando o partido e separando-o da pequena parte do proletariado que ainda o acompanha”.

Jornal editado pelo Grupo Comunista Lenin (GCL)

Nesse sentido, a luta pela democracia interna no partido é uma das principais bandeiras dos oposicionistas. No número dois do jornal, exigem que o PCB não mais expulse militantes por “crime de opinião”, e justifica: “nossa disciplina comunista é de ferro porque foi forjada candente liberdade de opinião”.

Às críticas à direção do partido também se soma uma enorme inquietude de todo um setor, provocada pelas transformações na Rússia (em pleno processo de stalinização) e pelas críticas à política da Internacional Comunista (já convertida num aparato da burocracia soviética). Em um artigo no “Luta de Classes”, os oposicionistas afirmam: “somos um núcleo de resistência à degeneração burocrático-ideológica que infelizmente se vem alastrando pouco a pouco por todo o organismo da Internacional”.

Os oposicionistas relacionavam as transformações na URSS, com o stalinismo, às políticas adotadas pelo PCB, especialmente no que se refere à estratégia para a revolução no Brasil.

Estratégia da revolução brasileira

Nessas primeiras publicações, o GCL deixa evidente quais são suas prioridades na luta política contra os dirigentes do PCB. No marco das discussões em curso na Internacional Comunista sobre os países coloniais e semicoloniais, o principal alvo dos oposicionistas é o combate à estratégia da revolução por etapas.

Pensada pela Internacional Comunista para os países “coloniais” e “semicoloniais”, essa política defendia a aliança com setores da burguesia para uma revolução “nacional” e “antiimperialista”.

Essa ideia surge pela primeira vez no Brasil com o livro “Agrarismo e industrialismo”, do dirigente comunista Otavio Brandão. Nele, o autor concluía que o movimento comunista deveria apostar suas fichas em uma “burguesia nacional” (“nacionalista”) que se articularia com os trabalhadores e camponeses contra os obstáculos ao “desenvolvimento nacional”, como os restos semifeudais supostamente existentes no campo brasileiro.

Segundo Brandão, o objetivo imediato seria preparar uma primeira etapa da revolução “da burguesia nacional”, cujo governo seria “nacionalista pequeno-burguês”, apoiado pelo proletariado e pelos camponeses. A revolução proletária seria adiada para uma segunda etapa quando a classe operária estivesse “amadurecida” para tomar o poder.

O PCB abraçou as teses defendidas por Brandão e formulava sua política com a seguinte resolução: “Devemos declarar que o sustentaremos (o governo da pequena-burguesia) enquanto lutar com o imperialismo, contra os proprietários agrícolas e contra a reação, e o combateremos quando se aliar a eles, ao mesmo tempo em que deveremos preparar a segunda vaga para derrubar a pequena burguesia”. (Relatório dos delegados do PCB ao VI Congresso da Internacional Comunista).

Essa estratégia tem, portanto, consequências na política de aliança do PCB, que na época estimulou a criação do Bloco Operário e Camponês (BOC). Muitos historiadores apontam que a inspiração para o BOC estava na experiência da Internacional Comunista de criar frentes/partidos comuns entre comunistas e nacionalistas. Um exemplo dessa política foi o empolgante apoio dado pela Internacional ao Kuomintang chinês (partido nacionalista liderado por Chiang Kai-shek).

Então militante da Oposição de Esquerda, Victor Serge também comentava nos anos 20 essa inspiração: “Uma corrente muito forte se manifestou a favor da criação, nos outros países coloniais, de grandes partidos nacionalistas análogos ao Kuomintang”.

Com a desculpa de que a China se achava no marco de um movimento revolucionário de emancipação nacional, a Internacional Comunista afirma, em 1924, que o papel de direção desse movimento cabia à burguesia do país. O PC chinês chegou a se dissolver no Kuomintang e Chiang Kai-shek foi eleito presidente de honra da Internacional Comunista. Mas, em 1927, essa política resulta num terrível desastre quando Kai-shek ordena o massacre de milhares de comunistas na rebelião de Cantão, em 1927.

As orientações e a política desenvolvida pelo stalinismo na China renderam grandes polêmicas entre trotskistas e comunistas brasileiros. “A luta contra o imperialismo ainda é feita em nome da independência nacional, aglomerando absurdamente nesta fórmula todas as classes do país oprimido”, criticava a edição n° 3 do “Luta de Casses”.

Reorganização da burguesia brasileira

Uma das grandes contribuições dos pioneiros do trotskismo no Brasil foi seu esforço em compreender a realidade brasileira no contexto do capitalismo internacional.

Mario Pedrosa e Livio Xavier, entre outros, escreveram vários documentos procurando compreender as transformações do país. A burguesia precisava equilibrar o desenvolvimento da indústria nascente com a manutenção do monopólio do café no mercado mundial. Outra novidade foi a penetração do imperialismo devido ao crescimento da indústria.

Num claro desafio às teses do PCB, os oposicionistas concluíram que a burguesia brasileira é incapaz de cumprir qualquer papel de “desenvolvimento nacional”, pois seus interesses obedecem ao capitalismo internacional e ao imperialismo.

Em 1930, a oligarquia cafeeira paulista é varrida do poder. O presidente Washington Luís é deposto pelo movimento conhecido como “Revolução de 1930”, liderado por Getúlio Vargas e apoiado pelas oligarquias do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.

Na época, o PCB achava que a “revolução” seria o resultado das contradições dentro do imperialismo. A crescente influência econômica dos EUA sobre uma parcela da burguesia brasileira possibilitou o golpe de Estado contra a burguesia paulista, tida como representante dos interesses imperialistas britânicos.

Os trotskistas, porém, fornecem uma elaboração muito mais rica e vigorosa. Entenderam que o golpe de Estado foi um movimento interno entre as frações da burguesia nacional defendendo seus interesses de classe. A disputa se precipitou com a falência da burguesia cafeeira, provocada pela crise da superprodução do café em 1929. Por outro lado, os trotskistas diziam que não havia uma substituição de oligarquias no poder. O que houve foi uma reorganização de poder entre diversos setores da burguesia. “A unidade nacional burguesa foi mantida. Suprimidos do cenário político alguns figurões mais comprometidos, o acordo geral da burguesia está sendo restabelecido à custa de uma opressão maior das classes pobres, reduzidas às mais duras condições de vida” (Aos Trabalhadores do Brasil, LCI, setembro de 1930).

Os trotskistas diziam que para manter a unidade burguesa no Brasil seria necessário um governo centralizado e forte “sob a forma de ditadura militar manifesta ou mascarada, de baionetas caladas sobre as massas oprimidas”. Argumentavam que essa era a saída das classes dominantes “para manter essa unidade num país em que o desenvolvimento das forças produtivas nos diferentes estados se faz desigualmente, acelerando o processo de desagregação pelo capital financeiro internacional”.

Assim, os trotskistas argumentam que seria impossível a burguesia efetivar suas promessas democráticas: “A hipocrisia da campanha liberal patenteia-se, assim, na contradição entre as promessas que iludiram as massas e a realidade das prisões, deportações e fuzilamentos”. Tal conclusão se confirmará nos anos seguintes com a intervenção do governo nos sindicatos e com a instauração da ditadura do Estado Novo de Vargas.

Luta antifascista

Os fundadores do trotskismo brasileiro também lutaram como leões contra a ameaça fascista no Brasil, encarnada pelos integralistas ou “camisas-verdes”. Foram eles que lançaram a proposta de organização para combater o fascismo propondo uma Frente Única Antifascista, que seria formada em 1933. Dela participaram diversos grupos operários, políticos e sindicais, menos o PCB. Para concretizar a frente, foi lançado um jornal chamado “O Homem Livre”.

No 1º de maio de 1934, a frente organiza um comício contra o integralismo e o governo Vargas. Nesse dia, os militantes trotskistas lançam, pela primeira vez no Brasil, o slogan da necessidade da construção da Quarta Internacional.

‘Revoada das galinhas verdes’ na Praça da Sé

No dia 7 de outubro, a Frente Única Antifascista realiza uma ação que entraria para a história do movimento operário brasileiro. Um comício dos integralistas marcado para a Praça da Sé, em São Paulo, é dissolvido por uma contramanifestação chamada pela frente e que reuniu toda a esquerda. Uma enorme batalha tomou conta da Sé. Dezenas de pessoas ficaram feridas, inclusive Mario Pedrosa. Muitas morreram, mas o comício fascista foi dissolvido. A ação ficou conhecida como a “revoada dos galinhas-verdes”, como eram chamados os integralistas.

A ruptura de Pedrosa

Nos anos seguintes, a LCI, já há muito tempo fora do PCB, muda de nome para Partido Operário Leninista (POL). A organização também é atingida pela dura repressão de Vargas após o fracasso da Intentona Comunista, ação ultraesquerdista comandada pelo PCB em 1935. A atuação do frágil partido é limitada à clandestinidade e muitos de seus militantes estavam presos.

A reconhecida atuação do POL na construção de uma alternativa revolucionária diante das traições do stalinismo fez com que, em setembro de 1938 (na Conferência de Paris, que fundou a Quarta Internacional), Mário Pedrosa fosse o delegado representante de todas as seções da Oposição de Esquerda na América Latina.

Mas, logo após a fundação da Quarta Internacional, surgiu a primeira grande crise, que atingiu a seção brasileira. Em meio aos “processos de Moscou”, os pactos entre Hitler e Stalin e outras barbaridades cometidas pela burocracia soviética, muitos confundiram o repúdio ao stalinismo com o repúdio ao Estado operário. Tais setores foram pressionados por grupos democráticos da pequena burguesia e pela campanha imperialista em defesa da “democracia”.

Essa pressão deu uma origem à fração na Quarta Internacional conhecida como “antidefensista”, que considerava errado defender a URSS contra a ameaça capitalista. Avaliavam que não se tratava mais de um Estado operário. Mario Pedrosa acabou aderindo às teses “antidefensista” e rompeu com a Quarta Internacional no final dos anos 30.

A partir de então, o trotskismo brasileiro entraria em uma nova fase, com a criação do Partido Socialista Revolucionário (PSR), formado em 1939 e liderado por Hermínio Sachetta, ex-dirigente do PCB de São Paulo.

Artigo publicado originalmente no Opinião Socialista 348

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Jean-Jacques Marie apresenta o livro ‘Havia alternativa ao stalinismo?’, de Rogóvin

O que ler sobre trotskismo no Brasil

Comunistas e trotskistas: A crítica operária à revolução de 1930
Ângelo José da Silva
Curitiba: Editora Moinho do Verbo

Na contra-corrente da História: Documentos da Liga Internacionalista dos Trabalhadores: 1930 – 1933
São Paulo: Editora Brasiliense

Solidão Revolucionária: Mario Pedrosa e as Origens do Trotskismo no Brasil
José Castilho Marques Neto
Rio de Janeiro: Paz e Terra

 

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