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50 anos do primeiro disco do sambista Cartola

Roberto Aguiar, jornalista cultural

25 de julho de 2024
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Minha vida é igual a filme de mocinho, eu só venci no final”, costumava dizer Angenor de Oliveira, mais conhecido por Cartola (1908-1980), sambista do Morro da Mangueira, a sala de recepção do samba carioca. 

Um dos criadores do samba moderno e urbano, lapidado nas rodas do morro e do asfalto, Cartola era negro e pobre. Estudou até a quarta série do ensino fundamental. Trabalhou desde menino. Foi pintor de paredes, lavador de carros e pedreiro. O apelido ‘Cartola’ é relacionado ao chapéu coco que usava para não sujar os cabelos de cimento. 

Nos anos de 1930 já era um compositor respeitado, mas nunca gravara um disco. Isso só foi acontecer em 1974, quando tinha 65 anos de idade. Seis anos depois, o fundador da Estação Primeira de Mangueira morreu, deixando registrado quatro discos com seus sambas imortais.

A insistência de Pelão

O primeiro disco, que tem como título “Cartola”, só saiu por insistência do produtor João Carlos Botezelli, o Pelão, que recebeu muitos “nãos” das gravadoras. Em 1956, ele procurou a direção da gravadora Sinter e pediu que olhassem para a “joia da Mangueira”. Como resposta, ouviu que Cartola não vendia discos. Na gravadora Phillips, ouviu como resposta do então diretor Manoel Barenbein a seguinte frase: “Você está achando que aqui é um asilo?”.

Pelão seguiu sua batalha, pois tinha o projeto de lançar discos dos sambistas dos morros cariocas que nunca tinham gravado suas canções em um estúdio. Seu primeiro projeto foi 1973, com Nelson Cavaquinho (1911-1986), onde gravou na Odeon o disco “Nelson Cavaquinho”, reunindo canções de destaque na carreira do compositor carioca que ele próprio não tinha gravado, como “Juízo final”, “Folhas secas”, “A flor e o espinho” e “Vou partir”. O disco elevou Nelson Cavaquinho ao panteão da música brasileira.

O disco de Cartola saiu pela gravadora Marcus Pereira, depois de passar dois meses na gaveta, já que o dono da gravadora não gostou do resultado, mas Pelão o convenceu da qualidade daquilo que eles tinham nas mãos. Neste mesmo ano, Pelão produziu o primeiro álbum solo do paulista Adoniran Barbosa (1912-1982).

O disco

“Cartola” é um dos discos mais importantes da música brasileira. É joia do samba. Nele o compositor da Mangueira mostra sua genialidade e a sensibilidade artística. 

O disco é composto por 12 músicas, com letras em que Cartola expressa melancolia – como o refrão de “O sol nascerá” (“Pois chorando eu vi / a mocidade perdida”) – e lamentos como “Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre / O meu sorriso é por consolação / Porque sei conter para ninguém ver / O pranto do meu coração”, em “Quem me vê sorrindo”.

São canções que ajudam a explicar quem foi Cartola que, apesar de genial, só foi reconhecido plenamente na velhice. O disco produzido por Pelão foi fundamental para isso e afirmou Cartola como um dos maiores nomes da música brasileira. Com o disco, aumentou o número de shows e o valor de seu cachê. Novos três vinis foram gravados em vida. Inclusive, despertou o interesse das grandes gravadoras, as mesmas que, anos antes, não valorizaram a proposta feito por Pelão.

A grandeza do disco é pela força das canções de Cartola, que transita por uma variedade de temas que vão desde o amor até dores e alegrias da vida cotidiana, e pela seleção dos músicos convidados a gravar o álbum, os melhores instrumentistas de samba da época: Dino Sete Cordas, Meira (violão), Canhoto (cavaquinho), Raul de Barros (trombone), Copinha (flauta), Gilberto D’Ávila (surdo e pandeiro), Marçal (cuíca e caixa de fósforo), Luna (tamborim e agogô), Jorginho do Pandeiro e Wilson Canegal (ganzá e reco-reco).

As músicas do emblemático disco, pela ordem, são: “Disfarça e chora” (Cartola e Dalmo Castelli), “Sim” (Cartola e Oswaldo Martins), “Corra e olhe o céu” (Cartola e Dalmo Castelli), “Acontece” (Cartola), “Tive sim” (Cartola), “O sol nascerá” (Cartola e Elton Medeiros), “Alvorada” (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho), “Festa da vinda” (Cartola e Nuno Veloso), “Quem me vê sorrindo” (Cartola e Carlos Cachaça), “Amor proibido” (Cartola), “Ordernes e farei” (Cartola e Aluizio Dias) e “Alegria” (Cartola).

Canções que viraram clássicos do samba brasileiro e que demonstram que Cartola é um dos maiores compositores da nossa música.

Dicas 

PARA SABER MAIS SOBRE CARTOLA

– Documentário “Cartola – Música para seus olhos” (2006), dirigido por Hilton Lacerda e Lírio Ferreira;

– Livro “Zicartola: Política e samba na casa de Cartola e D. Zica” (2023), do escritor Maurício Barros de Castro.

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