2º turno: Vitória de um Centrão mais à direita e as derrotas do PT e do PSOL
Passado o 2º turno das eleições municipais, já é possível traçar um balanço mais completo deste processo. Primeiro, reafirmou-se a vitória do Centrão e da direita. O Partido Social Democrático (PSD) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ganharam cinco capitais, cada um, repetindo numericamente o feito de 2020. Mas, o PSD ultrapassou o MDB, alcançando um total de 885 prefeituras em todo o país.
Demais siglas, como União Brasil e Republicanos, também tiveram vitórias significativas, conquistando 583 e 433 prefeituras, respectivamente. O bolsonarista Progressistas (PP) elegeu 746 prefeituras. O Partido Liberal (PL), que é categoricamente oposição de direita ao governo, ficou com 516.
O partido de Bolsonaro abocanhou quatro capitais, resultado inédito para o ex-presidente e seu partido. Tiveram, ainda, o maior número de prefeituras nas cidades com mais de 200 mil habitantes. Mas, no 2º turno, perderam para o Centrão em várias capitais que disputaram. Ou seja, mesmo tendo vitórias, foram aquém do esperado por Bolsonaro e a cúpula do PL.
Vitórias e derrotas
Se no 1º turno o PL foi o partido que mais cresceu em número de votos, e também o que garantiu a ida ao 2º turno no maior número de cidades (dentre elas, nove capitais); no 2º turno o partido venceu em apenas duas (Aracaju/SE e Cuiabá/MT), perdendo, em geral, para candidaturas do Centrão ou da direita que fazem uma oposição mais dura ao governo, mas ainda institucional, como em Goiânia, onde Bolsonaro se envolveu pessoalmente no enfrentamento contra Ronaldo Caiado (União Brasil).
Houve, ainda, um crescimento dos votos nulos e das abstenções, que expressam desde um desgaste do regime até uma certa apatia e indiferença.
O PT e o PSOL, por outro lado, sofreram uma grande derrota, embora o PT tenha ganhado mais prefeituras que em 2020. No 2º turno, o PT disputava diretamente três capitais: Cuiabá (MT), Porto Alegre (RS) e Fortaleza (CE). Ganhou apenas em Fortaleza, aos 45 do segundo tempo, pela diferença de apenas 10 mil votos.
Soma-se a isso a derrota de Boulos, em São Paulo, que, apesar de ser do PSOL, era o candidato de Lula e do próprio PT na cidade. Para um setor à frente do Governo Federal é uma derrota importante.
O Centrão e a direita
O Centrão que sai vitorioso dessa eleição não é o velho Centrão do último período. O que chamamos de Centrão foi, de conjunto, mais para a direita. Estão estruturando e consolidando uma direita ideológica extremada, nos limites da institucionalidade, e uma ultradireita que desafia e vai além dos limites da democracia burguesa, como o “bolsonarismo” em suas diversas variantes.
Desde a redemocratização, o Centrão ajudou a compor todos os governos – do PSDB ao PT. Hoje, 70% do espectro partidário está à direita do PSDB. Destes, uns 30% são uma força de ultradireita, capaz de mobilizar e, também, de chegar ao 2º turno e quase ganhar.
PSD e MDB são partidos tipicamente do Centrão. Assim como o União Brasil e Republicanos, sem deixarem de ser pragmáticos e fisiológicos, são hoje ideologicamente muito mais à direita e até abrigam alguns tipos diversos de bolsonaristas, como Tarcísio, Damares e Mourão.
Um pé em cada canoa
Ao mesmo tempo em que seguem essa guinada à direita, o PSD, o MDB, o Republicanos, e até o PP, compõem ministérios no governo Lula. E, ainda, fazem parte do governo Tarcísio, em São Paulo, assim como faziam parte do governo Bolsonaro. Isso mostra como é falso o discurso do PT sobre combater a direita.
Isso também se reflete nas eleições municipais. Eduardo Paes (RJ) e Fuad (MG), do PSD, são mais próximos de Lula; enquanto Topázio Neto (SC) e Eduardo Pimentel (PR), do mesmo partido, são apoiadores de Bolsonaro, com os vices do PL.
Também no MDB isso se expressa com Ricardo Nunes, em São Paulo, e Sebastião Melo, em Porto Alegre, tendo vices do PL e apoiados por Bolsonaro. Enquanto que, em Belém, o prefeito eleito, Igor Normando (MDB), é aliado do presidente Lula e foi apoiado pelo PT no 2º turno.
Muito se tem dito sobre como a vitória do Centrão mostra que a polarização no país ficou para trás. É verdade que a polarização foi menor e o papel das figuras de Lula e Bolsonaro não teve tanto peso. Mas, o significado disso tem sido a estruturação e a consolidação, cada vez maiores, da direita e, também, da ultradireita.
As divisões no bolsonarismo
O signo da campanha foi a demonstração de um maior enraizamento da direita e da ultradireita. Pautaram o debate e mostraram diversas novas roupagens. O bolsonarismo vem de uma grande derrota, com as punições após a tentativa de golpe.
Diminuíram os rompantes autoritários, mas ganharam novos contornos, que passam pelo bolsonarismo tido como mais domesticado, com Tarcísio, inclusive com a capacidade de incidir sobre o Centrão. E há alas que têm um projeto mais abertamente autoritário, em fenômenos com características diferentes, como Marçal (SP) e Nikolas Ferreira (MG), passando por bolsonaristas “raiz”, mais tradicionais, como o prefeito eleito de Cuiabá, ou Ratinho Jr., no Paraná.
Embora sejam setores com diferenças entre si, são partes do mesmo fenômeno de ultradireita. E todos eles com grandes acordos programáticos entre si. Neste sentido, as divisões na ultradireita são uma derrota para Bolsonaro, mas também são um sintoma de que esta corrente política tem um lastro social e ideológico, não sendo apenas expressão de um “voto castigo” ou da simpatia episódica por uma figura populista.
Divididos, mas com vitórias importantes
Se, por um lado, houve um desgaste de Bolsonaro, não se pode dizer que o bolsonarismo ou a extrema direita tiveram uma derrota como a do PT. A direita se fortaleceu com o Centrão e com figuras de direita categóricas e extremadas, como Tarcísio de Freitas, em São Paulo.
A própria extrema direita saiu maior das eleições de conjunto e, mesmo onde perdeu, teve vitórias políticas importantes, como em Belo Horizonte, com Engler (PL); em Fortaleza, com André Fernandes (PL); em Curitiba, com a Cristina Graeml (PMB); sem falar no Marçal (PRTB), que apesar de não ir para o 2º turno em São Paulo virou uma figura nacional.
A pulverização da ultradireita pode significar seu fortalecimento ou enfraquecimento. Isto ainda não está dado. Há muita água para rolar. Mas, hoje, o resultado eleitoral mostrou que apesar dessa pulverização estes setores tiveram conquistas políticas e eleitorais em 2024, apesar da derrota pós 8 de janeiro e dos maiores questionamentos a Bolsonaro.
As várias derrotas do PT e do PSOL
As candidaturas do PT e PSOL não empolgaram nestas eleições. Como suposta solução, buscaram mais ainda aliança com setores da direita e dos bilionários capitalistas. A tarefa que se deram foi se apresentarem como os melhores nomes para salvar o sistema.
Chegou ao cúmulo de, por exemplo, em Cuiabá (MT), Lúdio Cabral, o candidato do PT, fazer coro com as pautas conservadoras defendida pelos bolsonarista, na questão do aborto e das opressões, se colocando integralmente a serviço do fundamentalismo religioso.
Ou, ainda, o aceno estapafúrdio de Boulos, ao aceitar a “live” com Marçal, dizendo que incorporaria propostas dele, assim como fez com Tabata Amaral, reconhecida liberal e privatista, que votou a favor da Reforma da Previdência de Bolsonaro.
O fracasso da tentativa de servir a dois senhores
No geral, estas candidaturas defenderam o mesmo modelo de Lula na Presidência. Disseram que governariam para todos, mas o programa apresentado estava inteiramente a serviço dos bilionários capitalistas.
Um programa que mantém a política fiscal exigida pelo mercado e a manutenção do Arcabouço Fiscal, com o corte de verbas nas áreas sociais, os ataques ao funcionalismo, as privatizações e Parcerias Público-Privadas (PPP’s), assim como a entrega do país às multinacionais, a depredação ambiental e os benefícios ao grande agronegócio.
O problema do PT não é apenas rejuvenescimento e meios de comunicação. É de conteúdo. Ou seja, tem a ver com responder a uma questão fundamental: Que classe social seu projeto, programa e política representam? Algo cuja resposta se encontra no fato de que são cada vez mais vistos como parte do sistema capitalista e da institucionalidade burguesa.
Aquele projeto social liberal, aplicado lá atrás, de distribuir dinheiro público para setores da burguesia e, em base ao crescimento econômico, fazer política sociais compensatórias, gerando ascensão social das classes baixas através do consumo, está esgotado.
A expectativa de que um crescimento econômico induzido pelo Estado vai virar mais consumo e melhorias para os trabalhadores, hoje, se choca com a realidade do próprio capitalismo brasileiro e mundial, que se debate, de crise em crise, com setores da burguesia, exigindo mais espoliação e maiores lucros. Na prática, o projeto do PT não apenas é (como sempre foi) parte desta engrenagem, como também, agora, é visto desta forma.
Pagando o preço pela proposta de gerir o capitalismo em crise
A derrota eleitoral do PT nesta eleição mostra que o governo Lula não serve nem para derrotar a ultradireita. Já que, ao contrário do que diz o ministro petista Paulo Pimenta, a ultradireita não foi derrotada ou isolada. E, muito menos, o governo Lula foi vitorioso nesta eleição municipal.
Não é para menos. Afinal, o governo do PT é o principal sustentador do Centrão e da direita, liberando as emendas parlamentares, não punindo os golpistas, distribuindo cargos e ministérios para a direita e fazendo todo tipo acordos de financiamento com bolsonaristas, como Tarcísio.
Em suma, o PT se dirige para a centro-direita, se transformando num partido cada vez mais igual a tudo que está aí. Um defensor da desgastada institucionalidade burguesa, do “status quo” (da ordem vigente ou da manutenção das coisas como estão) do capitalismo que ele ajudou a gerir por cinco mandatos.