Socialismo

107 anos da Revolução Russa: Outros Outubros virão!

A revolução impossível... até que se tornou inevitável

Denior José Machado, de Porto Alegre (RS)

31 de outubro de 2024
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107 anos nos separam do início dos eventos que levaram a classe trabalhadora ao poder na Rússia

Em 1913, a Rússia celebrava o tricentenário da dinastia Romanov com pompa e esplendor, transmitindo uma imagem de poder inabalável. Jornais internacionais, como o “The Times”, de Londres, descreviam um futuro brilhante para o Império Russo, destacando a devoção popular ao Czar como alicerce da autocracia (poder concentrado em um único indivíduo). Nada parecia ameaçar a ordem estabelecida.
Como a Revolução de 1905, embora tenha revelado fragilidades no regime czarista, foi rapidamente suprimida, a crença na “impossibilidade” de uma revolução era compartilhada tanto por observadores internos quanto externos. Se fosse acontecer, eclodiria na Europa Ocidental, e não na Rússia czarista.

Em 23 de fevereiro de 1917 (8 de março, no calendário gregoriano), as trabalhadoras têxteis de Petrogrado, desafiando a descrença generalizada nas possibilidades do movimento operário naquele momento, iniciaram uma greve no “Dia Internacional da Mulher”, que se espalhou rapidamente pelas fábricas. A adesão dos metalúrgicos e, crucialmente, dos soldados, selou o destino do regime czarista, que ruiu em poucos dias.

Este ato mostrou como uma revolução desafia a lógica dominante. Outras certezas caíram por terra. A Rússia, afundada no atraso econômico e social, com uma população majoritariamente camponesa, analfabeta e devota ao czar, era vista como um terreno infértil para a revolução, especialmente para uma revolução socialista.

Também caiu por terra a crença na invencibilidade do capitalismo. Tudo foi posto em xeque pela Revolução. O país, considerado, por dois séculos, como o centro da reação às revoluções burguesas, que dirá ao socialismo, surpreendeu o mundo ao protagonizar uma revolução que mudou a História. Nada mais foi como antes em todo o planeta.

Um momento de ceticismo

O ceticismo em relação às possibilidades de uma revolução não era exclusivo dos círculos dominantes. Em meio à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os partidos socialdemocratas estavam englobados na maré nacionalista, que colocava os trabalhadores de um país contra outros. Não poderia haver maior fragmentação da classe trabalhadora europeia.

Lênin, na contramão dos socialistas patriotas traidores, defendia que as classes operária e camponesa, no uniforme de soldados, voltassem suas armas contra suas próprias burguesias. Mas, no curto prazo, não era otimista. Em um discurso proferido um mês antes da queda do czar, ele próprio expressou dúvidas sobre a possibilidade de sua geração testemunhar as “batalhas decisivas” da revolução proletária.

As correntes de esquerda e a Revolução

A promessa de uma vitória rápida da Rússia e aliados (Inglaterra e França) na Iª Guerra Mundial se desvaneceu, dando lugar à fome, à miséria e à desilusão. O fervor patriótico inicial, que uniu até mesmo a esquerda majoritária na Europa em torno da defesa da “pátria”, logo se dissipou. A população, submetida a privações extremas, ansiava por “pão, paz e terra”.

A queda do czarismo não significou o fim dos problemas na Rússia. O Governo Provisório então formado se mostrou incapaz de atender às demandas populares. Era formado por representantes da burguesia liberal e apoiado pela maioria da esquerda. Mas, para entender isto, é necessário falar das três principais correntes do movimento socialista naquele momento.

As reformistas (que propunham mudanças por dentro do sistema capitalista) e que participavam do governo eram: a) Socialistas Revolucionários (SRs), que representavam os camponeses, imensa maioria da população russa, e tinham foco na reforma agrária; b) Mencheviques, ala do Partido Socialdemocrata russo, marxista, que defendia reformas graduais, através da democracia sob a direção da burguesia liberal (capitalista) e para a qual o socialismo estava colocado para um futuro distante.

Oposta a estas, a principal corrente que concebia a necessidade da via revolucionária era formada pelos Bolcheviques, ala do Partido Socialdemocrata russo dirigida por Lênin. Também marxistas, defendiam uma revolução imediata, ainda não socialista, mas rejeitando a direção burguesa. Caberia este papel ao proletariado (a classe trabalhadora) e ao campesinato.

O retorno dos soviets

Paralelamente ao governo, ressurgiram os soviets, que surgiram na Revolução de 1905: conselhos de trabalhadores, soldados e camponeses, verdadeiros órgãos de poder popular, que desafiavam o Governo Provisório e só o permitiam governar pela confiança que os mencheviques e os SRs chamavam a depositar nele.

Lênin, ao retornar do exílio, após a Revolução de Fevereiro de 1917, publicou as “Teses de Abril”, defendendo a transferência do poder para os soviets. Argumentava que a Rússia estava pronta para a revolução socialista. Desta forma, também superava sua própria visão de uma etapa prévia ao socialismo, assim coincidindo com as ideias defendidas por outro revolucionário, Leon Trotsky, que veio a se unificar com os bolcheviques.

“Nenhuma confiança no Governo Provisório”, defenderam os bolcheviques. Era um governo de conciliação de classes, sendo a burguesia sustentada politicamente pela esquerda reformista. Esta posição inicialmente foi minoritária dentro do próprio partido, mas ganhou força à medida que o Governo Provisório se mostrava atrelado aos acordos de guerra e a crise se aprofundava.

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A tomada do poder

A Revolução de Outubro derrotou uma tentativa de golpe militar e, por fim, o próprio Governo Provisório. Já tendo conquistado a maioria nos soviets, os bolcheviques chamaram a tomar o poder, o que ocorreu em 25 de outubro (7 de novembro, no calendário vigente).

A Rússia foi retirada da guerra, a terra foi distribuída aos camponeses e uma série de medidas revolucionárias foram implementadas, tendo a realidade colocado a necessidade imediata de expropriação de certos ramos da produção. As medidas incluíram a igualdade de direitos para as mulheres, o direito ao aborto, a descriminalização da homossexualidade e enormes avanços em áreas como Educação, Saúde e nas artes e cultura em geral.

A classe trabalhadora governou de fato

Aqui, no Brasil, o PT transformou a bandeira de “governo dos trabalhadores” num mero objetivo reformista, de ter um trabalhador (Lula) na presidência, e se propondo a mudanças dentro dos limites do capitalismo.

Ao contrário, a Revolução Russa pôs em prática o poder de uma classe explorada, através dos soviets. Demonstrou que a “ditadura do proletariado”, formulada por Marx, negava à burguesia fundamentalmente dois “direitos”: o de explorar outros seres humanos e o de se insurgir contra o poder dos soviets.

O expansionismo imperialista, que marcou o século 20 e persiste, mantém os países na condição de colônias ou semicolônias. Os conflitos entre os países imperialistas se estendem a guerras e propagam as crises do capitalismo pelo globo. São necessárias revoluções que confrontem o domínio capitalista-imperialista.

Da revolução mundial ao stalinismo

Lênin e Trotsky concebiam a revolução na Rússia como ponto de apoio para a revolução na Europa, compreendendo que a sobrevivência da revolução dependia de sua expansão internacional. A derrota da Revolução Alemã (1919), devido à traição da direção do movimento operário (a socialdemocracia), que apoiou a guerra, chegou ao poder, reprimiu a revolução e assassinou Rosa Luxemburgo, representou um duro golpe nesta perspectiva.

A ascensão de Stalin e sua teoria do “socialismo em um só país” desviaram os Partidos Comunistas de todo o mundo de sua tarefa histórica. Foram orientados a uma mera defesa dos interesses de Estado da então União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS). Leia-se, os interesses da burocracia governante, em vez da revolução em seus países.

A Revolução Russa está superada?

107 anos nos separam do início dos eventos que levaram a classe trabalhadora ao poder na Rússia, expandindo-se por todas as nacionalidades submetidas ao czarismo, que aderiram, em maioria, e formaram a ex-URSS.

Além do tempo decorrido, a própria revolução, após vencer a Guerra Civil contra o Exército Branco (contrarrevolucionário), apoiado por 14 exércitos invasores, sofreu um duro revés interno. Debilitado e isolado internacionalmente, após a derrota da revolução na Alemanha, o poder dos trabalhadores perdeu sua vitalidade e sucumbiu diante da burocracia stalinista.

Stalin liquidou a democracia operária, embora ainda mantendo a URSS como um Estado Operário degenerado. A restauração capitalista acabou acontecendo nos anos 1980. Quando o regime stalinista caiu, este processo já estava avançado.

Diante disto, é possível reivindicar a Revolução Russa como uma experiência que traga luz à luta pelo socialismo? Estamos convictos que sim. Toda luta pode sofrer uma derrota, imposta pelos inimigos, sem, por isso, perder seu valor.

E o valor da Revolução Russa começa por demonstrar o quanto a classe trabalhadora pode fazer. É capaz de derrotar o capital e seus exércitos, se tomar consciência de sua força. No poder, os trabalhadores e trabalhadoras podem superar, em décadas, o que o capitalismo demorou séculos para construir. Pode, ainda, demonstrar sua superioridade produtiva, capaz de libertar bilhões de seres humanos de uma condição de vida miserável e sem perspectivas.

Lições de Outubro

A experiência russa demonstra que a consciência de classe não é um pré-requisito para a revolução; mas, sim, um processo que se desenvolve durante a luta. A presença de um núcleo político firme, com domínio teórico e estratégico, é fundamental para canalizar a energia das massas e construir um projeto de transformação social.

Neste sentido, vale resgatar uma passagem do livro “A Revolução Traída”, escrito por Trotsky, em 1936.

“Os imensos resultados obtidos pela indústria, inícios enormemente promissores na agricultura, um crescimento extraordinário das velhas cidades industriais e a construção de novas, um rápido aumento do número de operários, a elevação do nível cultural e das exigências culturais – estes são os resultados indubitáveis da Revolução de Outubro, na qual os profetas do Velho Mundo tentaram ver o túmulo da civilização humana”, escreveu o dirigente do Exército Vermelho.

“Já não há necessidade de discutir com os senhores economistas burgueses: o socialismo demonstrou o seu direito à vitória, não só nas páginas de ‘O Capital’, mas numa arena industrial que abrange um sexto da superfície da Terra – não na linguagem da dialética, mas na linguagem do aço, do cimento e da eletricidade. Mesmo que a URSS sucumbisse sob os golpes do exterior e pelos erros dos seus dirigentes – o que esperamos firmemente que não aconteça – continuaria, como prova para o futuro, o fato indestrutível de que só a revolução proletária permitiu a um país atrasado obter, em menos de vinte anos, resultados sem precedentes na História”, concluiu Trotsky.

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