10 coisas que você precisa saber sobre Cuba em 2024
Helena Náhuatl, da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI)
Se você é uma pessoa vista como “de esquerda” em qualquer lugar do mundo, com certeza já ouviu falar sobre a Revolução Cubana de 1959. Ela foi uma marco para a América Latina e símbolo de que uma alternativa ao capitalismo e imperialismo estadunidense (em 1959 estávamos em plena Guerra Fria) poderia existir, impactando todas as gerações posteriores.
No entanto, 65 anos depois, o que sabemos sobre a Cuba atual e o que passou durante essas décadas? Aqui vão algumas constatações em base a dados, estudos econômicos, políticos e, em particular, ouvindo cubanas e cubanos que estiverem nas ruas há 3 anos e seguem protestando contra as precárias condições de vida na Ilha, a repressão e a falta de liberdade de expressão.
1. Cuba viveu uma explosão social em 2021. Em muitas regiões da Ilha, as pessoas saíram às ruas para protestar por comida, cuidados médicos, dignidade e liberdade de expressão. Desde então, mais de 1500 tornaram-se presos políticos e quase metade deles segue encarcerado.
1558 pessoas entre 12 e os 68 anos foram presas após o 11J, segundo dados de Justicia 11J, um grupo que compila dados oficiais e de familiares dos presos políticos. A maioria deles, 92% segundo o grupo, não pertence a nenhuma organização política ou da sociedade civil, nem colabora com nenhum meio de comunicação.
Inúmeras histórias com rostos, identidades e detalhes de vida comprovam que o 11J foi algo espontâneo e feito por pessoas comuns, em sua esmagadora maioria. Isso explicita a grande mentira do governo cubano, que atribui o 11J a uma tentativa de golpe orquestrado pelos Estados Unidos.
O 11J nasceu da indignação e imensas carências da população cubana. Até os últimos informes, 681 pessoas seguem presas, algumas com penas de mais de 20 anos. Liberdade a todas as corajosas pessoas que hoje estão presas em Cuba!
2. Se você tiver opiniões contrárias ao governo cubano, pode ser sequestrado, interrogado, agredido, cercado na sua própria casa e ter um agente do governo designado para vigiar cada passo da sua vida.
Se você tiver opiniões contrárias ao governo cubano, pode ser sequestrado, interrogado, agredido, cercado na sua própria casa e ter um agente do governo designado para vigiar cada passo da sua vida.
Em Cuba existe um órgão do governo chamado Segurança do Estado (S.E.), uma polícia política que se encarrega de saber tudo sobre os dissidentes e os ditos “contrarrevolucionários” da população, seguindo de perto cada passo dessa pessoa, chegando a se apresentar e a dar os seus codinomes às pessoas vigiadas. Quando a S.E. conclui que algumas situações são potencialmente “perigosas” para o regime (como qualquer evento crítico ou que reúna pessoas sem prévia autorização), desencorajam a saída às ruas para que os vigiados não “tenham problemas”.
Isso se intensifica quando você é uma pessoa que já se posicionou criticamente ao governo, porém acontece com a sociedade cubana em geral.
3. O salário-mínimo cubano é inferior a 10 dólares, a alimentação é muito cara para a população e os subsídios para a cesta básica estão diminuindo, além disso, o fornecimento de energia elétrica é instável e precário. Há pessoas vivendo nas ruas ou grandes famílias compartilhando casas precárias, e muita desigualdade social.
Viver em Cuba é um grande desafio para os seus habitantes. A “libreta”, uma espécie de cesta básica subsidiada com produtos essenciais em quantidades determinadas, é insuficiente para o mês e seus artigos são cada vez mais escassos, como a carne e o leite, visitas ilustres na dieta, assim como ovos. Os cortes de luz são recorrentes e inclusive já resultaram em protestos em algumas províncias neste ano de 2024.
Quanto à moradia, estima-se que 15% das casas de Cuba correm o risco de desabar por falta de manutenção e 3 ou 4 gerações da mesma família compartilham o mesmo teto por não terem a possibilidade de uma casa para o seu núcleo familiar.
Enquanto isso, hotéis de 5 estrelas são construídos e priorizados ao longo do Malecón (a barreira entre o mar e La Habana) e dirigentes do Partido Comunista de Cuba (PCC) e privilegiados do regime vivem em suas mansões em Miramar ou Siboney.
4. Em Cuba, gasta-se 11 vezes mais com a construção de hotéis do que em agricultura e e medidas para garantir a segurança alimentar. A saúde e educação cubanas estão em grande crise, inclusive na atenção primária.
Segundo dados do próprio governo (ONEI), em 2022, 32,9% do investimento total do país esteve vinculado às redes hoteleiras, em contrapartida, apenas 2,6% foi para a agricultura e pecuária.
Apesar de baixas taxas de ocupação de hotéis, segue-se construindo grandes complexos e luxuosas redes em Havana e nos Resorts das praias caribenhas de Cuba.
5. Segundo estimativas recentes, quase 18% da população de Cuba migrou nos últimos 2 anos.
O maior êxodo da história só pode ser explicado pela profunda crise social e econômica da Ilha. Cada vez mais, o governo cubano impede qualquer perspectiva de melhora de vida dentro do país. Não há alternativas de trabalho, salários dignos e tampouco a possibilidade de posicionamentos críticos para uma melhora nas condições de vida.
Independentemente de suas visões políticas, as centenas de milhares de cubanos que deixaram o país foram em busca de uma alternativa menos sufocante de vida, ainda que o preço para isso seja o desterro e a cruel e injusta perda da cidadania.
6. A Ilha é governada por uma nova burguesia de membros do Partido Comunista que controlam as empresas estatais existentes e privatizam os setores-chave da economia.
Sim, existe um bloqueio econômico criminoso contra Cuba por parte dos Estados Unidos e ele deve terminar, permitindo acesso a alimentos e insumos com maior facilidade, agilidade e melhores preços.
Porém, quem diz que a crise econômica, social, energética, alimentar e de todos os setores de Cuba existe porque há o bloqueio dos Estados Unidos, nega as próprias estatísticas do governo. A verdade é que a Cuba de hoje tem uma grande dependência de países do imperialismo europeu e já privatizou parte importante da economia, deixando alguns estratégicos na mão dos capitalistas que dirigem o PCC.
7. A comunidade LGBTI+ denuncia o assédio e a falta de direitos. Em Cuba, há um importante ativismo LGBTI+ dissidente que conseguiu incluir o direito ao casamento igualitário na Constituição, mas os direitos básicos ainda são negados às pessoas queer.
As pessoas LGBTI+ saíram às ruas no dia 11 de junho, especialmente as mulheres trans, exigindo dignidade e acesso ao mínimo, como saúde pública, preservativos, não serem agredidas na rua por trabalharem como prostitutas e o direito ao emprego formal. Assista aqui uma entrevista com algumas das mulheres presentes nas ruas.
O resultado é que muitas delas foram condenadas a penas pesadas por terem se manifestado. Brenda Diaz, uma mulher trans presente nas ruas no dia 11J, foi condenada a 14 + 7 meses de prisão e sofre abusos constantes, além de não ter tratamento adequado para HIV, gastrite crônica e pedras nos rins, doenças que ela já tinha antes de chegar à prisão.
8. Há socialistas em Cuba que estão contra o governo e o regime ditatorial.
O governo cubano diz que qualquer dissidência ao seu regime é orquestrada pelos Estados Unidos/Miami (onde estão exilados muitos cubanos de direita neoliberal). E isso é repetido ao redor do mundo por stalinistas e apoiadores do regime cubano em geral. O 11J rompeu com essa hegemonia e mostrou ao mundo que há uma esquerda socialista, anarquista e setores de defesa dos Direitos Humanos em Cuba que não pregam o neoliberalismo como resposta a Cuba atual, ao contrário, querem uma sociedade justa, igualitária e de direitos, inclusive os democráticos.
A Esquerda Crítica Cubana é um exemplo importante desse setor.
9. Os Partidos Comunistas, maoístas e de outras vertentes da esquerda que defendem o PC cubano estão contra as liberdades democráticas do povo cubano e sua justa luta por dignidade.
Ao dizer que Cuba é socialista ou mesmo que caminha para isso, organizações ao redor do mundo apresentam um horizonte ditatorial, de miséria e sem perspectivas transformadoras para uma vanguarda que busca uma alternativa ao capitalismo.
Se a revolução cubana foi um marco e um caminho no seu momento, os desdobramentos do regime dirigido por uma guerrilha assumiram um caminho oposto. A repressão, encastelamento de uma burocracia que substituiu a classe trabalhadora, a opressão a qualquer tipo de diversidade (como as UMAPs, lugares de trabalhos forçados para os quais muitos homossexuais e vozes dissonantes foram enviadas, fato reconhecido pelo próprio Fidel Castro e a negação da revolução mundial, fizeram retroceder conquistas e avanços a passos largos ao longo dos anos.
A forma mais honesta e correta de defender o socialismo em qualquer lugar do mundo hoje é dizer em alto e bom som: não existe socialismo em Cuba.
10. Não há socialismo em Cuba, mas a experiência da revolução cubana é um exemplo de como o socialismo pode existir, se for construído diretamente sob controle dos trabalhadores, com a liberdade de expressão e com uma visão de revolução que vá além da Ilha.
As revoluções existem e podem obter grandes conquistas sociais. A revolução cubana é um exemplo que inspirou gerações na América Latina e deve ser reivindicado.
Cabe a nós, gerações posteriores, construir e orientar organizações e movimentos que possam de fato, ser instrumentos da classe trabalhadora, juventude e oprimidos pelo mundo para a tomada do poder e a derrubada do capitalismo.
A tomada do poder na Revolução Cubana foi dirigida a princípio por um setor não socialista, na verdade uma guerrilha pequeno-burguesa, que se “stalinizou” ao longo do tempo e, com isso, não só retrocedeu as conquistas do povo cubano, mas restaurou o capitalismo no país, tornando a miséria e desigualdade regras como boa parte dos países latino-americanos, ao mesmo tempo que mantêm uma forte repressão e a inexistência de liberdades democráticas na Ilha.
Defender irmãs e irmãos cubanos hoje é defender seu direito à liberdade, a uma revolução político e social sob controle dos trabalhadores e que possam de fato ter vida digna e sem a imensa desigualdade social que impera hoje na Ilha.